A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski de conceder liminar proibindo o governo de vender estatais sem o aval do Congresso teria como pano de fundo a venda da fabricante de aviões Embraer à americana Boeing, disseram assessores próximos ao magistrado.
Forte defensor da soberania nacional e contra a venda da Embraer, uma empresa privada, por considerá-la estratégica para a defesa, Lewandowski vê com maus olhos a parceria com a Boeing, segundo fontes próximas ao ministro. Procurada, a assessoria de Lewandowski informou apenas que a operação no setor aéreo “não foi o objeto do processo analisado pelo ministro”.
A necessidade de aval prévio do Congresso para a privatização de qualquer estatal dificulta os planos do governo. Até agora, por lei, apenas as eventuais privatizações de Petrobras, Eletrobras, Caixa e Banco do Brasil precisavam obter concordância do Parlamento. Com a decisão do ministro do STF, todas as privatizações (inclusive de subsidiárias e controladas) precisam passar pela análise de deputados e senadores.
Para duas fontes ligadas a Lewandowski, o ministro já iria dar uma interpretação restritiva às privatizações ao analisar a Lei das Estatais — alvo do processo em que a liminar foi concedida. Por isso, assessores do ministro avaliam que, se ele tiver de decidir sobre a venda da Embraer aos americanos, vai se posicionar de maneira contrária a ela. Eles leram sua decisão de conceder a liminar como uma reação à aquisição da fabricante de aviões brasileira pela Boeing.
PODER DE VETO NA EMBRAER
Mesmo sendo uma empresa privada (a desestatização foi na década de 1990), o governo brasileiro tem poder de veto sobre decisões estratégicas da Embraer, inclusive a venda de controle acionário, por deter uma ação de classe especial, a golden share.
Nos últimos dois meses, o Sindicato dos Metalúrgicos da cidade e região, ligado à Conlutas, estima que 300 funcionários da unidade da Embraer em São José dos Campos (SP) tenham sido demitidos. Para o diretor do sindicato, Hebert Claros, o corte seria uma sinalização de que um acordo com a Boeing está próximo. Ontem, a ação da Embraer com direito a voto subiu 3,53% na B3 (ex-Bovespa), para R$ 24,64, com a aposta de que um anúncio estaria para ocorrer em alguns dias.
Segundo o sindicato, há relatos dos funcionários de que a Boeing consideraria o quadro de funcionários inchado. As demissões teriam por objetivo preparar a companhia para a venda. Claros afirma que o sindicato mantém sua posição contrária ao acordo, mas disse que a estratégia para travar o negócio não está definida:
— Não vamos aceitar o acordo. Mas não temos detalhes de como ele será. Podemos entrar na Justiça para tentar barrá-lo ou fazer uma greve — observou Claros.
Enquanto isso, o governo prepara o recurso que será apresentado ao Supremo na tentativa de reverter a decisão de Lewandowski. O caso será analisado pelo plenário da Corte, mas a data ainda não foi marcada. A Advocacia-Geral da União (AGU) deve alegar, entre outros pontos, que a lei que instituiu o Programa Nacional de Desestatização (PND) já assegura o amparo legal às privatizações. Por essa legislação, basta um decreto presidencial para autorizar a venda.
Na interpretação do departamento jurídico do BNDES — responsável legal pelos estudos de concessão e privatização no país —, a decisão do ministro afeta apenas projetos de privatização, não atingindo as concessões, como de rodovias, ferrovias, aeroportos e da Lotex (a raspadinha da Caixa).
ELETROBRAS É MAIS AFETADA
A avaliação no governo é que a principal afetada com a determinação do STF, por enquanto, é a Eletrobras. A empresa tenta vender as seis distribuidoras de energia que operam no Norte e no Nordeste (o leilão da empresa de Alagoas foi suspenso também por determinação de Lewandoviski). A licitação está marcada para 26 de julho. Se não conseguir vendê-las, elas serão liquidadas. Nesse cenário, o custo para a Eletrobras seria de R$ 25 bilhões.
Para evitar a liquidação e ganhar tempo para a privatização, a Eletrobras convocou assembleia de acionistas para estender o prazo para a venda das subsidiárias para 31 de dezembro — hoje, o prazo é 31 de julho.
Apontado como fundamental para a viabilizar a venda dessas empresas, um projeto de lei que resolve os passivos das distribuidoras está parado na Câmara. |