Em uma decisão que deve ampliar o ambiente de insegurança jurídica para os negócios no país, afetar a competitividade e impactar negativamente as contas públicas, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu ontem liminar determinando que a privatização de estatais só pode ser feita com autorização do Congresso Nacional. A decisão, de caráter provisório, envolve vendas de empresas públicas, sociedades de economia mista, subsidiárias ou controladas. Pego de surpresa, o governo analisa o impacto, mas a Advocacia-Geral da União (AGU) adiantou que vai recorrer da decisão na Corte.
“A venda de ações de empresas públicas, sociedades de economia mista ou de suas subsidiárias ou controladas exige prévia autorização legislativa, sempre que se cuide de alienar o controle acionário”, destacou Lewandowski, na decisão dada em ação direta de inconstitucionalidade da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal e Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro, na qual questionam trechos da Lei da Estatais. O ministro disse que “a dispensa de licitação só pode ser aplicada à venda de ações que não importem a perda de controle acionário de empresas públicas”.
RISCO PARA LEILÃO DE DISTRIBUIDORAS
Nos bastidores, integrantes da área econômica criticaram a medida. Na avaliação dessas fontes, o ministro não levou em consideração o impacto na economia, no ambiente de negócios e nas contas públicas. A decisão pode comprometer ainda mais o Orçamento do governo, especialmente para o próximo presidente da República. A transferência de ativos para as mãos do setor privado tem potencial de reforçar os cofres públicos e de aliviar a União, que não tem dinheiro para capitalizar essas empresas. A liminar de Lewandowski será apreciada pelo plenário do STF, que pode referendá-la ou rejeitá-la. Mas isso não tem data para ocorrer. O Supremo entrará de recesso na próxima sePara mana e só retorna em 1º de agosto.
Com exceção de Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil e Caixa, o governo tinha, até agora, poder para privatizar qualquer empresa pública sem consultar o Congresso. Com a decisão do ministro, qualquer processo de transferência de controle acionário de estatal terá de passar pelo Legislativo. Na década de 1990, quando a lei que instituiu o Programa Nacional de Desestatização (PND) foi aprovada, o governo privatizou, por exemplo, Vale, CSN, Embraer e distribuidoras de energia como a Light sem consulta prévia ao Congresso.
A decisão do STF deve prejudicar privatizações já anunciadas e que estão nos planos do governo, como as da Casa da Moeda e da Casemg (Companhia de Armazéns de Minas), e venda de participações acionárias da Infraero em aeroportos já concedidos (Brasília, Confins, Galeão e Guarulhos), companhias Docas e terminais portuários. Apontado como prioridade do governo, o leilão das distribuidoras da Eletrobras no Norte e Nordeste do país também deve sofrer mais entraves.
A privatização das distribuidoras é apontada como a única saída para evitar a liquidação das empresas, cenário considerado mais grave, com impacto para a Eletrobras de mais de R$ 20 bilhões. O leilão está marcado para 26 de julho, mas, dentro da Eletrobras, já se admite a possibilidade de adiar a licitação para até setembro, devido às dificuldades para a aprovação de um projeto de lei que solucionaria passivos bilionários das companhias.
As ações da Eletrobras foram afetadas pela decisão. Os papéis preferenciais (sem voto) caíram 5,05%, e os com voto, 4,08%.
Ontem, Lewandowski suspendeu o leilão da Ceal, a distribuidora que opera em Alagoas. O estado alega que tem a receber R$ 1,7 bilhão da União, em valores atualizados, em razão da desestatização.
O plano de desinvestimentos da Petrobras tende a ser afetado. A empresa tenta vender a transportadora de gás TAG, por exemplo. A alienação desse ativo precisaria de aval do Congresso.
A decisão tem efeito nas esferas federal, estadual e municipal. Lewandowski ressaltou que as regras sobre a competência legislativa no caso de estatais fora do âmbito da União deverão ser debatidas no julgamento do mérito da ação.
justificar a urgência em dar uma liminar, o ministro disse que “vêm sendo noticiadas iniciativas do Governo no sentido de acelerar as privatizações de estatais como estratégia no Programa de Parcerias de Investimentos”, o que poderá causar “prejuízos irreparáveis” ao país. Para Lewandowski, da mesma forma que a Constituição exige “lei específica” para se criar empresa pública, o mesmo requisito deve ser observado nas privatizações.
O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, disse que a decisão pode trazer muitas dificuldades para o governo e para a economia e citou os problemas que o Planalto enfrenta no Congresso para vender as distribuidoras da Eletrobras.
IMPACTO NA COMPETITIVIDADE
Para a economista Margarida Gutirerrez, da Coppe/UFRJ, a liminar dificulta o ajuste fiscal:
— A privatização tem um impacto direto nas contas públicas porque (o valor ganho) é abatido da dívida líquida. Mas é uma discussão muito maior que a questão fiscal. Tem a ver com o papel do Estado no setor produtivo, na economia como um todo. A liminar engessa a economia, ao limitar ganhos de produtividade e competitividade, o que bate no desempenho fiscal.
Claudio Frischtak, da consultoria Inter B., frisa que a decisão representa um revés para a economia e cria um problema à gestão pública, que tem de lidar com empresas deficitárias e loteadas por partidos.
— A modernização da economia vai sofrer um baque nos próximos anos. Veja o caso da Eletrobras. A empresa só tem capacidade de investimento por mais dois anos. Depois disso, não se sabe como ela vai fazer — diz Frishtak. — Há outras empresas que são dependentes do Tesouro. Privatizá-las significa que os contribuintes vão parar de arcar com o prejuízo delas.
O economista Raul Velloso avalia que a decisão esvazia o Executivo. Para ele, o que deve ser submetido ao Congresso são programas de desestatização com setores prioritários, e não a análise caso a caso:
— É uma desmoralização do Executivo, que já vem perdendo espaço para instituições como o Tribunal de Contas e o Ministério Público. Só ocorre porque é ano eleitoral, com um governo frágil. |