Por Cáio Brandão
(Advogado, administrador de empresas e jornalista, o autor é especialista em Direito Administrativo, com expertise voltada para licitações púbicas. Reside em Belo Horizonte e durante décadas atuou no Mercado da Construção Pesada)
O papel do Ministério Público se torna mais importante a cada dia, mas ainda existe longo caminho a percorrer. Isto, dentre outros fatores, porque permanece pouco explorada a vertente da prevenção, até agora encarada com parcimônia pelos procuradores. Exemplos existem em profusão. Um deles, inclusive, salta aos olhos. Trata-se do Inquérito Civil nº 702/2013, que tramita na Procuradoria de Justiça do Patrimônio Público e Social de São Paulo, Capital.
Referido inquérito foi instaurado em face de denúncia acerca de concorrência internacional para a compra de equipamentos pela CPTM. Valor da compra? Um bilhão de reais. A denúncia foi apresentada perante o TCE, no decurso da licitação, sob a alegação de que o certame internacional não tinha sequer edital em língua estrangeira e que havia sido publicado apenas no Estado de São Paulo; mais, que ainda não existia dotação orçamentária para a referida compra, como determina a Lei, inclusive sob cláusula de nulidade do procedimento, e, também, que o processo de pedido de autorização para empréstimo feito pelo governo estadual, destinado à finalidade da concorrência, ainda estava pendente de aprovação pela Assembleia Legislativa, e que as especificações técnicas oferecidas aos participantes do certame sequer tinham a assinatura dos Responsáveis Técnicos, como determina a legislação, dentre outros vícios. Alguma empresa, mal comparando, construiria um viaduto mediante projeto de engenharia sem a assinatura do responsável? É, na CPTM pode.
Esta questão foi arquivada pelo TCE, mediante controvérsia surgida no tocante a procedimentos processuais. Lamentável, porque o relator do processo poderia, mediante a gravidade dos fatos e a magnitude da licitação, ter atuado de ofício, independentemente de provocação e de maiores delongas. Mas, em que pese o ocorrido, a coisa seguiu em frente, porque foi parar na Polícia Federal e agora segue o seu caminho no Ministério Público do Estado de São Paulo.
Por que este caso está sendo referido? Não se trata de questionar o TCE, porque isto, no caso citado, poderá até acontecer, mas em outra esfera. Trata-se, apenas de alertar o MP para o fato de que os procedimentos preventivos poderiam trazer significativos benefícios para o país e evitar enorme desperdício e desvio de recursos públicos.
Como assim? Fácil. Se os procuradores se detiverem sobre os editais de licitações com acuidade investigativa, perceberão que os vícios nesses diplomas são recorrentes. Sim, são sempre os mesmos. Dizem respeito à exigência de compromisso prévio com usinas de asfalto e outros tantos fornecedores alheios à licitação, limitação de número de atestados de capacitação técnica operacional, acervo técnico com exigências restritivas, mediante a exigência de quantitativos de serviços diferenciados e exponencialmente elevados, comprovação de fornecimento e instalação de equipamentos, e outras tantas malandragens destinadas a limitar o número de concorrentes e direcionar os certames. Há casos em que as exigências constantes dos editais são exatamente idênticas ao acervo técnico apresentado pelos vencedores das licitações. Ora, simplesmente alguém retira do acervo técnico do apadrinhado aquilo que lhe interessa, e o transcreve como exigência para os termos que regulam o edital da licitação. Aqui, nesta apertada síntese, não há como falar das composições de preços viciadas, dos quantitativos “trabalhados”, e tudo o mais, até porque não é preciso. A tese presente parte do óbvio, como se verá a seguir: a Lei Licitações, a famosa 8.666/93, que agora querem derrubar porque ela “atravanca” o curso das concorrências ( só atrapalha quando é descumprida ), estabelece no seu art. 38, VI, a exigência de pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação, dispensa ou inexigibilidade. O que isto quer dizer? Óbvio: quer dizer que não se pode lançar licitação sem que o seu edital tenha sido previamente aprovado, no âmbito da administração, por profissional qualificado, preferencialmente por um procurador jurídico. Assim, se editais viciados estão sendo levados a efeito e gerando obras direcionadas e superfaturadas, o profissional que liberou, sob chancela, o documento ilícito, deveria ser chamado às falas e processado na forma da Lei. Por isto não acontece como regra?
Vou me ater ao caso do Estado de São Paulo, mas que pode se estendido a todo o Brasil: se os procuradores do MP convocarem os assessores jurídicos das maiores empresas públicas do Estado, e, no auditório, projetarem lâminas com exemplos dos recorrentes e corriqueiros vícios presentes nos editais, destes que fraudam os procedimentos, e os convocarem, aos assessores jurídicos, a evitar que referidos vícios persistam, a medida será um bom começo. Aliás, por que não informar a estes assessores que, em havendo, da parte deles, aprovação de textos viciados e com indícios de fraude, os mesmos serão chamados a se explicar em oitiva promovida por procedimento investigatório, providência preliminar à denúncia criminal.
Meus caros, algum procurador, depois disto, vai se arvorar em aprovar edital de favor com propósitos de direcionamento e superfaturamento? Esta seria uma boa medida do MP em favor do erário e em benefício da sociedade como um todo. Vale à pena começar.
|