Por Cáio Brandão
(Advogado, administrador de empresas e jornalista, o autor é especialista em Direito Administrativo, com expertise voltada para licitações púbicas. Reside em Belo Horizonte e durante décadas atuou no Mercado da Construção Pesada)
Muito se tem divulgado, ultimamente, acerca do fato de a Operação Lava Jato procurar o caminho do dinheiro para alcançar os prováveis culpados pela festança com recursos da Petrobrás.
Contudo, em que pese, na teoria, o caminho adotado pela investigação estar correto, este, por si só, e mediante o foco escolhido, não é suficiente para clarear por inteiro os labirintos dos malfeitos com o dinheiro público.
Aqui, neste artigo, vou falar apenas em tese, até porque não conheço os parâmetros da investigação e sequer a mim os mesmos dizem respeito. Contudo, diletante que sou das questões inerentes às licitações públicas, me permitirei algumas meras elucubrações capazes de abrir mais uma fresta de luz no entendimento de algumas intrincadas questões.
Para que haja distribuição de dinheiros decorrentes da execução de obras públicas, é preciso que haja gordura gerada pelo processo licitatório, haja sobra a ser distribuída. Essa sobra só acontece quando os projetos das obras a serem executadas contemplam uma equação simples, mas eficaz: os projetos, ou, as plantas, os desenhos, e os quantitativos de obras e serviços e os seus respectivos preços, precisam estar devidamente “trabalhados” previamente. Vale dizer que só se pode tirar água do poço quando no mesmo existe água para ser tirada. Afora este caminho, resta ainda o “trabalho de campo”, também chamado por algumas empresas de “eficiência de medição”, que no entendimento do setor construtivo quer dizer “medir e cobrar por serviços que não foram executados”.
Assim, a conjugação dos “projetos trabalhados previamente” com a “eficiência de medição”, cria a equação perfeita para a distribuição de propinas e vantagens indevidas, inclusive e principalmente para os próprios licitantes.
Usualmente uma empresa pode se acertar previamente com a “projetista” e bancar, por fora, parte do custo que esta terá com a elaboração do projeto objeto de uma licitação. Assim, oferecendo, no certame, um preço baixo, a projetista ganhará a concorrência, receberá do cliente o que tiver que receber, mas, por fora, receberá também o complemento a ser pago pela empreiteira com a qual se articulou para manipular o projeto da obra a ser executada.
Grupo de empresas também pode operar previamente e em conjunto sobre programa de obras a ser executado por alguma instituição pública de grande porte. Nesse caso, há que se garantir projetos calcados em preços “confortáveis” e obra de alta rentabilidade, com gordura suficiente para garantir generosas distribuições. Parte da gordura ficará “na mesa”, para distribuição entre os comensais, e a outra parte, bem menor, seguirá o caminho da propina para contemplar
os demais partícipes do grupo.
É natural que haja, sempre, uma liderança. Afinal, é preciso existir ordem na casa, sob pena de o objetivo não ser alcançado. Assim, em primeiro plano a liderança deverá trazer à discussão o programa de obras como um todo. Como referido programa pode se estender ao longo de vários anos, serão contempladas com prioridade empresas com a expertise exigida e cujas carteiras de contratos estiverem mais necessitadas. Esse entendimento passa, também, por outras considerações, mas estas duas premissas são muito importantes, até porque a composição de preços das empresas, vistas de per si, difere bastante e isto interfere no cálculo da rentabilidade de cada uma. Normalmente as empresas de médio porte podem trabalhar com preços mais acessíveis, enquanto que as “gigantes” do setor carregam custo mais alto. Poderão existir situações em que o grupo colocará as obras presentes e futuras em leilão, leilão este secretíssimo e cujos participantes serão apenas aqueles que fazem parte do colegiado. Os lances poderão ser pela obra inteira, ou por um ou outro lote de uma mesma obra. A rentabilidade projetada pelas empresas poderá variar de um lote para outro, em face da disponibilidade de pessoal técnico, equipamentos, capital de giro e acervo técnico. Mas, quando existe um grupo em conluio com o cliente, tudo é possível e qualquer tipo de sortilégio pode acontecer. Afinal, o pedágio existe é para isto, ser ferramenta facilitadora da consagração do objetivo e do ganho farto e generoso para todos os envolvidos.
As considerações acima, reitero, são mera peça de ficção e não conheço e nem desejo conhecer nenhum caso concreto dessa natureza. Pode acontecer? Sim, pode. Afinal, quando há na linha do horizonte pote de ouro, os interessados sempre distribuirão apenas incenso e mirra aos agentes públicos para fazer acontecer o que tiver que acontecer e abocanhar o prêmio na base do arco-íris, Depois, o que importa o depois se o negócio é a oportunidade que passa? |