Os recentes ataques do presidente Jair Bolsonaro a agências reguladoras acenderam o sinal de alerta das diretorias e dos servidores desses órgãos. Com a dependência financeira do governo federal e cargos de chefia que serão indicados pelo presidente, o receio é que as declarações de Bolsonaro se reflitam em ações práticas de esvaziamento das agências. Em conversas reservadas, cúpulas das instituições planejam investir na comunicação com a população sobre a importância da regulação enquanto tentam fortalecer as relações com os ministérios de suas áreas, em especial com a pasta da Economia.
Até o fim do ano, Jair Bolsonaro poderá indicar pelo menos nove vagas de diretorias em seis agências. Metade dessas indicações está nos dois principais alvos de críticas de Bolsonaro: a Agência Nacional do Cinema (duas vagas) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (duas vagas). Essas nomeações, no entanto, não chegam a ser a principal preocupação de diretores e servidores. Eles argumentam que as novas regras do marco das agências, em vigor em setembro, favoreceram os órgãos, impondo critérios para as nomeações e, com isso, dificultando a escolha de pessoas despreparadas para os cargos.
—Como os critérios objetivos foram mantidos e o discurso dele é de privilegiar técnicos, torcemos para que ele indique servidores de carreira das agências reguladoras —disse um diretor ouvido pelo GLOBO.
A aposta é que o ministro da Economia, Paulo Guedes, ajude na comunicação com Bolsonaro sobre a importância das agências para estimular a economia do país. Diretores ouvidos pelo GLOBO destacam o papel dessas instituições em dar previsibilidade de regras às empresas que vão investir no Brasil, além de aumentar a credibilidade para companhias no Brasil. Atualmente, as reguladoras monitoram contratos de concessão em áreas como rodovias, aviação, energia elétrica, óleo, gás e também atuam em setores como planos de saúde e cinema.
EXTINÇÕES EM PAUTA
Na última sexta-feira, os representantes das 11 agências reguladoras se reuniram no fórum dos dirigentes do setor, em Brasília. Em meio às discussões, endossaram o discurso de que será preciso reforçar a comunicação em prol dos órgãos.
— Queremos uma oportunidade de conversar e mostrar o nosso trabalho. De investir numa linha de comunicação para trabalhar melhoro papel das agências, não só com o governo, mas com a sociedade também — afirmou a diretora-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Christianne Dias.
O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), André Pepitone, argumenta que a assinatura de contratos de concessão para a construção de linhas que vão gerar investimentos de cerca de R$ 13,2 bilhões e 28 mil empregos diretos reforça a importância das agências:
— Isso é fruto da credibilidade da regulação e só mostra a importância delas. Esse recurso só vem porque sabe que tem um órgão regulador fazendo esse acompanhamento.
As preocupações giram em torno de uma tentativade enfraquecimento dos órgãos. No início do ano, o governo tentou criar uma nova agência reguladora para o setor de transportes. A proposta, que foi estudada pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, previa a extinção das atuais Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). O governo queria dar mais racionalidade no processo regulatório, criando um órgão chamado de Agência Nacional de Transportes. Após críticas, o governo recuou.
Na última terça-feira, em uma agenda em Itapira, no interior de São Paulo, Bolsonaro atacou a "demora" da Anvisa para autorizar a venda de um novo medicamento. O presidente disse que as agências têm "poderes enormes para o bem e para o mal":
— Quando se fala em patentes eu lembro do INPI (Instituto Nacional da Propriedade Intelectual). Quando se fala em registro eu lembro da Anvisa. Agências reguladoras com poderes enormes para o bem e para o mal. Quanto tempo leva um registro na Anvisa? Será que esse tempo todo se justifica? Será que é excesso de zelo ou só está procurando criar dificuldade para vender facilidade?
Em outro momento, Bolsonaro sugeriu que poderia recuar da decisão de extinguir a Agência Nacional do Cinema (Ancine), devido aos empregos gerados pelo setor audiovisual. Isso porque, durante um evento, ele sugeriu acabar com o órgão qual diz ter investido "dinheiro público em filmes como "Bruna Surfistinha"", que retrata a vida de uma garota de programa.
Presidente da União Nacional dos Servidores de Carreira das Agências Reguladoras Federais, Elson Silva diz que a expectativa nas agências é que o governo as valorize. Ele admite, no entanto, preocupação:
—Vemos como positivas as reformas propostas pelo presidente e também a sinalização sobre privatizações. As declarações do presidente, como a de fusão de agências, são preocupantes. Estamos acompanhando para ver se vão virar medidas completas.
Da telefonia móvel aos alimentos
Contexto
Bernardo Mello
Em evidência após críticas do presidente Jair Bolsonaro, as 11 agências reguladoras foram instituídas no formato de autarquias ao longo dos governos Fernando Henrique, Lula e Temer. Como forma de conferir independência aos seus dirigentes, a legislação prevê mandatos não coincidentes, sem possibilidade de recondução, e restrições à sua substituição pelo presidente —responsável, porém, pelas nomeações ao fim dos mandatos. Cada nomeação é submetida ao crivo do Senado.
As agências assumiram protagonismo em debates nacionais ao longo das últimas décadas. A universalização da telefonia móvel a partir do fim dos anos 1990, por exemplo, foi costurada a partir de regulamentações da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), numa seara que antes cabia apenas ao antigo Ministério das Comunicações. A atuação da Anatel é considerada fundamental para o aumento da concorrência, abrindo caminho para a explosão do uso de celulares e de diferentes pacotes de serviços oferecidos pelas operadoras. Nos anos 2000, editais de faixas de radiofrequência passaram também a exigir compromissos, por parte das prestadoras, de ampliação da cobertura dos serviços de dados móveis.
Agências reguladoras como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) também assumiram responsabilidades de fiscalização e controle após episódios de impacto nacional. Depois da deflagração da Operação Carne Fraca, em 2017, por suspeitas de adulteração de carnes exportadas ou comercializadas no país, a Anvisa montou uma força-tarefa para recolher produtos irregulares em supermercados e fornecedores. Suspensões de licenças também ficam a cargo das agências. Recentemente, a Anac suspendeu operações da companhia aérea Avianca por falta de condições de segurança no serviço.
O discurso de que as agências seriam loteadas por indicações políticas surgiu já no início do governo Bolsonaro, quando o Ministério da Infraestrutura estudou uma fusão da Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Em 2018, após a greve dos caminhoneiros, a ANTT enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer favorável à tabela do frete, herança da greve e criticada à época pelo Ministério da Fazenda.
Embora tenha apoiado o movimento dos caminhoneiros à época, Bolsonaro deu aval publicamente ao ministro Tarcísio de Freitas, que pediu à ANTT para suspender a revisão dos preços do frete em julho deste ano. O tema será submetido ao STF em setembro. |