Após dez anos em vigor, a regulamentação sobre como deve funcionar o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) por telefone das empresas ainda não é totalmente cumprida pelos setores regulados. Segundo pesquisa qualitativa feita com exclusividade para o GLOBO, os planos de saúde e seguradoras são os que menos cumprem o decreto que estabelece normas para um parâmetro mínimo de qualidade no atendimento entre os nove segmentos pesquisados.
Constatou-se, respectivamente, 73% e 75% de cumprimento. A média dos demais setores ficou acima dos 80%, com melhor desempenho nas áreas de energia elétrica e de telefonia, que tiveram 94% e 90% de aprovação. É no cancelamento que as empresas mais falham. No geral, somente 72% atendem ao decreto nesse quesito.
“O atendimento melhorou. É claro que há muito a evoluir, principalmente, no que diz respeito à capacidade de resolução dos SACs — diz Ana Lúcia Vasconcelos, titular da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça”.
A Senacon está retomando a discussão com Procons, entidades de defesa do consumidor e empresas para reformular o decreto que regulamentou o SAC. O objetivo é focar na solução e criar regras para o atendimento digital:
“O acesso ao SAC é importante, mas o próximo passo é ampliar a capacidade de solução no serviço, criar parâmetros mínimos, não só no atendimento telefônico, mas no digital. A web é o meio preferido de contato de muitos consumidores”.
Ricardo Morishita, um dos mentores do decreto, editado quando estava à frente do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça, diz que o mundo mudou na última década e que hoje as empresas não têm outra opção a não ser investir no atendimento:
“Se as empresas não atenderem bem seus clientes, vem outra e faz. E, se não for brasileira, será de outro lugar do mundo, pois hoje o mercado não tem fronteiras. A regra era um limite básico, a expectativa é sempre que se faça mais. Trata-se de serviços regulados de interesse de toda a sociedade, e a exigência do consumidor é cada dia maior”.
Apesar de considerar o resultado positivo, Roberto Madruga, diretor da Conquist, consultoria responsável pelo levantamento, diz que, por ser decreto, esperava-se que o cumprimento fosse de 100%:
“Quando houve a implementação do decreto, as empresas fizeram um upgrade em seus SACs e no modelo de gestão do relacionamento com clientes. Isoladamente, contudo, algumas ainda não oferecem facilidade para cancelamento. O que mais chama a atenção é que, em cerca de metade das pesquisas, diferentemente do que prevê o decreto, não há possibilidade de cancelar pelo meio em que foi feita a contratação. Se pode contratar via chat, deveria cancelar também por lá”.
O número difícil de achar
As seguradoras de saúde apresentaram os piores resultados, com apenas 68% das empresas oferecendo acesso adequado ao SAC. Solange Beatriz Mendes, presidente da FenaSaúde, que representa o setor, diz que há entraves no cancelamento que visam a garantir a proteção do cliente. Ela diz que o setor tem de seguir resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) sobre o tema, que determina vários canais para atendimento:
“Trata-se de um serviço complexo, e nem sempre o SAC será o canal de fato para se dirimirem todas as dúvidas, mas há várias alternativas, inclusive o atendimento presencial, obrigatório para empresas com mais de 20 mil beneficiários”.
O presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Reinaldo Scheibe, acrescenta:
"Na hora de contratar um plano, o cliente precisa preencher declaração de saúde, por questões de segurança. No cancelamento, a mesma coisa, é preciso seguir procedimento documentado para que o cliente não seja vítima de golpe ou má-fé”.
A ANS informa que viu melhora em 2017 e que a resolução normativa 412/2016 estipula regras para cancelamento de acordo em cada tipo de contratação, definindo responsabilidades, prazos e emissão de comprovante de ciência pelas operadoras.
A Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg) afirma que, em relação ao cancelamento, o decreto obriga que o SAC receba e processe o pedido quando o atendimento telefônico puder ser usado para contratação. A CNSeg questiona se a pesquisa levou em conta que a maior parte das contratações de seguros não é feita por telefone. Diz ainda que, mesmo em casos feitos por esse meio, são tomadas medidas para garantir a segurança do consumidor no cancelamento.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), reguladora do setor com o melhor desempenho geral, informa que está em andamento o processo de modernização das normas de atendimento. O objetivo, indica a agência, é ampliá-las diante do protagonismo das redes sociais e dos canais digitais. Entre as propostas, está a obrigatoriedade de criação de agência virtual pelas empresas e fornecimento de protocolo em todos os canais de atendimento.
Madruga, no entanto, diz que a pesquisa demonstrou que encontrar o número do SAC não foi uma tarefa fácil e que nem sempre os números do SAC são 0800, ou seja, nem sempre as ligações são gratuitas. Como esses atendimentos costumam demorar, o custo para o cliente pode ser alto.
O setor de telefonia foi o que mais teve problemas com cancelamento. Não atendeu a 43% da regulação, contra a média de 28% do geral. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) admite que o atendimento telefônico ainda é um dos pontos mais mal avaliados pelos consumidores. A Anatel diz que está revisando o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações, que inclui regras de atendimento, para aumentar a solução dos problemas levados pelos clientes. E informa que tem processos de fiscalização nas principais empresas do setor para reduzir as dificuldades enfrentadas pelo consumidor para cancelar o serviço.
Já o SindTelebrasil, que representa as empresas do setor, informou que investe para aprimorar o atendimento. A entidade disse ainda que o momento é de revisão das normas de atendimento definidas pelo decreto, privilegiando a digitalização das interações com o consumidor.
O aposentado Ernani Alves Filho teve de ir à loja onde comprou um sofá para conseguir trocar o produto, que veio com defeito. O SAC de nada ajudou:
“As ligações terminavam sem solução. As opções do menu eletrônico eram todas parecidas e sem oferecer alternativa para o que eu precisava. Após relatar toda a história para um atendente, ele informava que não era a área certa e me transferia”.
No Banco Central, 1.178 queixas
Segundo o Banco Central, que regula o setor financeiro, as queixas relativas ao SAC de bancos somaram, no segundo trimestre deste ano, 1.178, ocupando a 16ª posição entre os temas mais reclamados. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) diz que sua autorregulação tem compromissos específicos em relação ao SAC. E informou ainda que audita anualmente ligações telefônicas das instituições participantes. Nos cinco maiores bancos, 79% das demandas são resolvidas na primeira ligação. A Febraban diz ainda que é preciso considerar, na avaliação do atendimento, que há 155,8 milhões de clientes bancários.
A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) diz que o SAC é parte do relacionamento com os clientes, que passa ainda por plataformas públicas e privadas, sites, aplicativos e redes sociais.
Procuradas, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a Agetransp (estadual) disseram que não lhes cabia tratar do tema. Já a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a Superintendência de Seguros Privados (Susep), a Associação Brasileira das Empresas de Cartão de Crédito (Abecs) e a Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA) não responderam. |